O Brasil e a falerística portuguesa

(Originalmente publicado, sexta-feira, 22 de maio de 2009)

I – A Ordem da Torre e Espada

D. João VI

Retrato de D. João VI, Jean-Baptiste Debret, 1817 – óleo sobre tela,

Museu de Belas Artes (R.J.)

Também na falerística há fortes laços históricos unindo o Portugal e o Brasil que remontam ao início do século XIX quando a Família Real partiu rumo ao Brasil instalando-se no Rio de Janeiro.

Logo em Maio de 1808, o Príncipe-Regente D. João para assinalar a chegada da Família Real ao Brasil, resolveu criar uma nova ordem de mérito – a Ordem da Torre e Espada, com a finalidade expressa de recompensar os serviços de alguns Oficiais da Real Marinha Britânica que escoltaram a Armada Real até ao Brasil e de premiar os súbditos portugueses que acompanharam a Família Real para o Novo Mundo.

TERegulamentada em Novembro de 1808, as primeiras concessões tiveram lugar a 17 e a 20 de Dezembro contemplando diplomatas estrangeiros, oficias da Marinha Real Britânica, membros do Governo nomeado á chegada ao Rio de Janeiro, conselheiros de Estado, titulares de cargos palatinos e altas patentes militares. Com a retirada das tropas francesas de Portugal (1811-12) a Ordem foi utilizada para recompensar os Oficiais, britânicos e portugueses, que se tinham distinguido por bravura nas campanhas da Guerra Peninsular.

Num momento posterior e dado o envolvimento de tropas portuguesas nas campanhas de Montevideu (1816-1820) a ordem também foi concedida a militares que nelas combateram, alguns dos quais, aderiram após Setembro de 1822 à causa da independência do Brasil tendo atingido posições de relevo durante o Império.

Com o regresso de D. João VI a Portugal em 1821, a ordem serviu sobretudo para galardoar soberanos e príncipes estrangeiros aliados ou parentes do rei, militares envolvidos na Vila Francada e, na sequência da Abrilada, diplomatas e súbditos estrangeiros – oficiais das marinhas de guerra inglesa e francesa de navios surtos no Tejo.

As mais antigas insígnias da Ordem da Torre e Espada, hoje raras, terão sido fabricadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, a par de outras fabricadas no estrangeiro a partir da segunda década de oitocentos, mormente, por ourives conceituados em Inglaterra sob encomenda de agraciados britânicos.

Após a morte de D. João VI em 1826, a ordem continuou a ser conferida por D. Miguel I, que entretanto havia sido aclamado rei absoluto em cortes, até á Convenção de Évora-Monte em 1834 que consagrou a derrota das forças realistas e motivou o exílio de D. Miguel.

Pedro após ter abdicado o trono imperial do Brasil em seu filho D. Pedro II, partiu para a Europa e assumindo a Regência em nome de sua filha D. Maria II decidiu encabeçar a luta pela restauração dos direitos de sua filha organizando um exército nos Açores que em 1832 desembarcou no Mindelo e ocupou o Porto.

Placa TE

Ainda nos Açores decidiu D. Pedro, duque de Bragança, reformar a Ordem da Torre e Espada fundada por seu pai dando-lhe novos estatutos, de acordo com os princípios da Carta Constitucional que em Maio de 1826 havia concedido à Nação portuguesa. Passou a chamar-se a Antiga Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com 4 graus e assumindo a natureza de ordem de mérito ou honorífica, na esteira da Legião de Honra criada por Napoleão e mantida pelo rei Luís XVIII após a restauração em 1814-15.

Portanto, de 1832-1834, co-existiram em Portugal duas ordens da Torre e Espada, ambas tendo servido para recompensar feitos militares ou serviços praticados no decurso da Guerra Civil que devastou Portugal.

De realçar que o Imperador D. Pedro I, na sua qualidade de rei de Portugal, concedeu em 1 de Maio de 1826, na véspera de abdicar o trono de Portugal em sua filha, uma grã-cruz da ordem da Torre e Espada a Dom Marcos de Noronha e Brito, 8º conde dos Arcos, que havia sido o último vice-rei do Brasil, e após a chegada da Corte ao Brasil, Governador da Baía e mais tarde Ministro da Marinha e do Ultramar e Ministro dos Negócios do Reino e dos Estrangeiros. A sua enérgica atitude na repressão da revolução Pernambucana de 1817 valeu-lhe a hostilidade dos sectores progressistas brasileiros e, só agora à distância de dois séculos, a sua acção no governo do Brasil colonial começa a ser reavaliada com isenção.

Após a extinção das ordens em 1910 pelo Governo Provisório da República, a Ordem da Torre e Espada foi restabelecida em 1917-1918 sendo hoje a mais alta condecoração da República Portuguesa.

Torre e Espaada

Vários Presidentes da República do Brasil foram agraciados com as seguintes ordens honoríficas:

Luiz Inácio LULA da SILVA, Grande-Colar da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, 5.03.2008 e Grande-Colar da Ordem da Liberdade, 23.07.2003

Professor Doutor Fernando Henrique CARDOSO, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito em 2002, Grã-Cruz da Ordem do Mérito (1987) e os Grandes-Colares das Ordens da Liberdade (1996), de Santiago da Espada (1997) e do Infante D. Henrique (2000)

Fernando Collor de MELLO, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, 1992

José SARNEY, Grande Colar da Ordem de Santiago da Espada, 1986, e Grã-Cruzes das Ordens de Cristo (1998) e, do Infante D. Henrique (2000).

Dr. Tancredo de Almeida NEVES, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito,1985

João Baptista de Oliveira FIGUEIREDO, Grande-Colar da Ordem de Sant’Iago da Espada, 22.09.1981 e Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, 21.12.1978, Grã-Cruz da Ordem de Cristo, 26.07.1973, Grã-Cruz da Ordem de Aviz, 27.07.1972

Ernesto GEISEL, Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, 13.02.1979, Grande-Colar da Ordem de Sant’Iago da Espada, 1.06.1977

General Emilio Garrastazu MÉDICI, Grande Colar 1973

Marechal Arthur da COSTA e SILVA, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito 1967

Dr. Juscelino KUBITSCHEK de OLIVEIRA, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito 1956, Banda de Grã-Cruz das Três Ordens – Cristo, Aviz e Sant’Iago, 30.07.1957 e Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, 20.10.1960

Dr. João CAFÉ Filho, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, 1955

Getúlio VARGAS, Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito 1933 e Grã-Cruz da Ordem de Avis, 1941

II – A Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa

 

Conceição

Com a subida de D. João VI ao trono do Reino Unido de Portugal e Brasil, em 1816, e a sua solene aclamação em 6 de Fevereiro de 1818, no Rio de Janeiro, decidiu o rei criar a Ordem Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, por decreto dessa data e com regulamento aprovado por alvará, dado no Rio de Janeiro, em 10 de Setembro de 1819.

DebretAs insígnias desta ordem terão sido desenhadas pelo pintor Jean Baptiste Debret que à época se encontrava no Brasil integrado na que ficou conhecida como a Missão Artística Francesa. Debret que permaneceu no Brasil até 1831 também foi o autor do desenho das insígnias da Ordem Imperial da Rosa, criada pelo Imperador D. Pedro I em 1829, para comemorar o seu 2º casamento com D. Amélia de Beauharnais, princesa de Leuchtenberg. A ordem continuou a ser concedida após o regresso de D. João VI a Portugal e durante a monarquia constitucional até 1910.

Posted by José Vicente de Bragança at 09:30

 

Morgado de Pindela (1798-1865) – Cav. Torre e Espada

Vicente Machado de Melo Pinheiro Figueira (n. 2.07.1798 – f. 8.9.1865)
11º Morgado de Pindela, 7º senhor do Prazo de Arnoso, 5º Morgado dos Guerras em Guimarães, Col. particular
Filho de João Machado de Melo Pinheiro Figueira Lobo n. em Guimarães a 14.8.1757, 10º Administrador do Morgadio de Pindela, 4º do dos Guerras e 6º Padroeiro de Arnoso e de sua mulher D. Maria Angélica Pinto Falcão de Mesquita e Magalhães, f. em Guimarães a 1.5.1799.
Casou a 18.5.1823 com D. Carlota Carolina Corrêa de Moraes de Almada Machado e Castro (n. 1.07.1796 – f. 25.04.1861), filha do Marechal de Campo Graduado Martinho Correia de Morais e Castro, (1771-1833), 1º Visconde da Azenha, veterano da Guerra Peninsular.
Com efeito, em 1809, seu sogro era Major agregado do Regimento de Cavalaria nº 9 tendo sido nomeado pelo General Francisco da Silveira Pinto da Fonseca comandante de Cavalaria nas forças que reuniu em Chaves e participado na defesa de Amarante contra os Franceses, sob o comando do General Loison. Em 1813 era Tenente-Coronel – comandante do Regimento de Cavalaria nº 11, integrado na Brigada sob o comando do Marechal de Campo Thomas Bradford.
Em 1829, já Coronel foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem da Torre e Espada[1] e condecorado com a Cruz de Condecoração para Oficiais da Guerra Peninsular (2), de prata[2]. Em Julho de 1823, após a Abrilada era-lhe concedido o título de Visconde de Azenha a que acresceram as medalhas da Fidelidade ao Rei e à Pátria e da Heróica Fidelidade Transmontana. Como muitos dos seus contemporâneos[3], após a declaração de independência do Brasil por D. Pedro e a morte do rei D. João VI, o visconde de Azenha revelou-se partidário dos direitos do Infante D. Miguel, tendo participado nos levantamentos militares que se seguiram ao juramento da Carta Constitucional em 1826 e emigrado para Espanha até 1828, após a fuga das tropas do Marquês de Chaves e dos outros caudilhos miguelistas[4]. Promovido a Marechal de Campo do Exército Realista, em Janeiro de 1832, acabaria por ser destituído, por desavenças com D. Miguel I, e ser preso, um ano volvido, no Forte de S. Julião da Barra e na Torre de Belém, recuperando a liberdade após a partida para o exílio de D. Miguel I, em 1834[5].
Vicente Pinheiro era igualmente cunhado de Bernardo Correia Leite de Morais Almada e Castro, 2º Visconde e 1º conde da Azenha (n.30.10.1803 – f.21.12.1869), Coronel do Batalhão de Voluntários Realistas de Guimarães e de José António de Oliveira Leite de Barros, 1º conde de Basto, destacado apostólico, Ministro do Reino e da Marinha no governo nomeado por D. Miguel em 1828, tristemente célebre pela perseguição impiedosa que moveu aos liberais.
Em Junho de 1823, com 25 anos de idade, Vicente Melo Pinheiro Figueira foi destacado protagonista da reacção contra o Vintismo que grassou em Guimarães e um pouco por todo o país e que culminou na aclamação de D. João VI como rei absoluto. Em Maio de 1828, após a convocatória das Cortes por D. Miguel, Vicente Pinheiro disputa as eleições para dos procuradores do concelho de Guimarães, não tendo porém sido eleito. Com o desembarque das tropas liberais e a ocupação do Porto sob o comando de D. Pedro, duque de Bragança, criam-se os Batalhões de Voluntários Realistas e Vicente Pinheiro oferece-se de imediato como voluntário, sendo em breve nomeado Capitão do Batalhão de Voluntários Realistas de Guimarães. Participou no combate de Ponte de Ferreira, em 23 de Julho de 1832, e noutras acções contra a cidade do Porto em 29 de Setembro de 1832[6].
Por estas últimas, foi condecorado com o grau de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, pelo Decreto de 26 de Outubro de 1832, por força da Carta Régia de 14 de Setembro de 1832 dirigida ao Tenente-General Visconde do Peso da Régua (cf. ANTT – MR – Livro 1123). Seu cunhado o Coronel Bernardo, futuro visconde de Azenha foi igualmente condecorado na mesma data[7].
No retrato acima, Vicente Machado de Melo Pinheiro Figueira é representado com a farda de Capitão do Batalhão dos Voluntários Realistas de Guimarães, ostentando orgulhosamente no peito a insígnia de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, fundada em 1808, pelo Príncipe-Regente D. João, no Rio de Janeiro.
Tanto mais interessante, quanto o retrato terá sido verosimilmente pintado já depois de terminada a guerra civil com a derrota do partido realista, sendo rara a iconografia, desta época, com representações da ordem da Torre e Espada joanina. Cumpre relembrar que o Regente D. Pedro, duque de Bragança havia entretanto criado em 1832, uma ordem de mérito denominada – Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com novas insígnias, a fim de galardoar os que combatiam pela Causa Liberal.
O Morgado de Pindela foi progenitor de João Machado Pinheiro Correia de Melo, 1º visconde de Pindela que trataremos de seguida.
_________
[1] cf. Paulo Estrela, Ordens e Condecorações Portuguesas 1793-1824, Lisboa, Tribuna da História, 2009, p. 233.
[2] Ibidem, 245.
[3] Cf. Vasco Pulido Valente, Os Militares e a Política (1820-1856), Lisboa, IN-CM, 2005, pp. 23-31.
[4] João Afonso Machado, O Morgadio de Pindela, Porto, ed. do Autor, 199, p.86.
[5] Coronel António José Pereira da Costa (coord.), Os Generais do Exército Português, II volume, Tomo 1, Lisboa, Biblioteca do Exército, 2005, pp. 169-170.
[6] João Afonso Machado, ibidem, pp. 83-88.
[7] Agradeço a informação ao Paulo Estrela.